quinta-feira, 6 de setembro de 2007

O apátrida



















Carrego em mim uma vontade
Mal compreendida de ser feliz
Uma vontade que não tem a ver
Com ser-se português

Com ser-se português
Que é ser-se triste e explorado
Escravo e mal amado
E não consigo perceber,
Ninguém me diz,
Porque somos um povo
Que não se sabe divertir
Que é falso quando se põe a rir
Com a sua gargalhada insincera
Um risinho nervoso de hiena
Com o infortúnio de alguma Madalena
A quem se desmanchou o prazer

Quero expatriar-me dessa infelicidade nacional
Desse cunho anormal
Que é ser-se português
E ocorre-me que talvez
Tenha sangue bárbaro
De godo, visigodo, eslavo ou de cataro
Sangue celta, que os celtas sabem dançar
Ou sangue brasileiro, que esses sim, sabem amar

Não posso é acreditar que sou português
Porque ao contrario dos meus conterrâneos
Não desejo ser infeliz
Tudo o que faço é com ideia na boa disposição
Encher as canecas, distribuir o pão
E, contudo, levam-me isso a mal
Dai eu duvidar que seja luso de raiz
Porque nunca levaria a mal
Que outro tentasse ser feliz

O meu pai nasceu no Porto
A minha mãe em Odemira
E por isso me admira
Que de luso em mim haja tão pouco
Que sou pragmático e objectivo a felicidade
Que gosto de me rir e, enfim,
Afecto, por dever, a lugubridade
Para não ofender a seriosidade
Que se diz inata ao luso
Por deferência para com o costume e com o uso

O meu avô nasceu em Leiria
A minha avó em Gaia
E tenho congéneres na raia
E na costa vicentina
Por isso não se me descortina
Porque não sou eu lusitano
Porque não quero andar mal
E de mal andar não me ufano

Do sotavento ao barlavento
Espalhou o meu tetravô, rebento
O que lhe valeu o cognome de O Povoador
Do Litoral ao Interior
Multiplicou-se p’lo amor
Mas eu, que partilho a descendência
Não me contento
Em partilhar a mesma dor

Porque se isto de ser-se luso
É cantar o fado
Eu prefiro andar calado
Que não tenho jeito para gemer
Prefiro entregar-me ao prazer
Do que andar p’rai amuado
Não me hão de convencer
A covardemente desistir
Não me hão de persuadir
A fazer de coitado.

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