quarta-feira, 15 de agosto de 2007

O herói promissor

Chorar não choro
Que as tintas dissolvem
Chorar não choro
Não dar prazer aos que me comem
Chorar não choro
Riposto c’a histrionia
Rir – só com o fracasso
Sim, sou um palhaço
Mas não por alegria

A rir por rir
Não me obrigarás
Andar às arrecuas como Satanás
Sorrir por sorrir
Porquê? Não sou um Vizir
Não tenho haréns como os Paxás
Nem a chorar nem a rir
Só para te divertir
Como me sabes me acharás

Carrancudo, taciturno
Macambúzio como se lhe devessem o mundo
Enjoado, calado e circunspecto
Possuo um tal aspecto
Que ao passarem por mim, as crianças
Como que trespassadas por lanças
Gritam com horror profundo:
“Meu Deus! Que homem aquele! Q’horror! Doente e imundo!”

É por capricho que não mudo
Por teimosia que não sorrio
Quero-me assim carrancudo
Para afastar de mim o mundo
E todo o seu veneno frio

É por casmurrice inveterada
E se cedo à gargalhada
É só quando algum dos vossos heróis
Hercúleo e de negros caracóis
Se afoga, drasticamente, no rio

Ouço-vos então, as lágrimas, as histórias
Da bela infância roubada
Como um dia carpiram por mim
Enquanto nesse rio eu me afogava
Hercúleo e de negros caracóis
Como o mais promissor dos heróis
Eu ia ao fundo e vocês: nada

De bom grado daria a mão a esse afogado
Se soubesse que salvá-lo, ressuscitá-lo,
Não o traria à vossa companhia
Como quando me resgataram a esse lago
Depois de me terem empurrado
E entre-dentes me gozavam, encharcado
E eu sorria, e sorria

Declarei, desde então, o fim do sorriso e das lágrimas
Arranquei todas essas páginas
Os sucessivos banhos frios
Rosno, tenho raiva, mostro-vos os dentes
Quero-vos ao longe, aos contentes
Com os vossos afogados e os vossos rios

E se me achais triste, soturno, descontente
Mal desafogado, amargurado, cheio de dor
Sabei que rejubila a minha mente
Por não ser mais o vosso herói promissor.

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