sábado, 25 de agosto de 2007

Lenir o cansaço de existir

Que seria da existência
Sem os vulgos prazeres?
Suportaríamos os deveres
Os pesados afazeres
Sem perder a paciência?
O que fariamos com a modorra?
Caros amigos, tenham paxorra
É preciso lenir o cansaço de existir

Já não posso com os pés e as mãos de tanto bulir
É preciso lenir o cansaço de existir

Os doces de alcova,
Os vícios de intervalo
Não existe esse regalo
Para que suportemos a caminhada?
Onde cabe nisto tudo a culpa?
Quem inventou essa desculpa
Para a grei andar domada?

Já não posso com a cabeça, doi-me a voz de tanto discutir
É preciso lenir o cansaço de existir

Não será um insulto à existência
Frustrarmos os prazeres
Com que ela nos dotou?
Digo isto porque se quedou,
O nosso corpo, há dois mil anos,
Onde um falso celibatário andou
Entre os judeus e os romanos
Pregando a sua ingerência

Oxalá seja mais leve o longínquo devir
É preciso lenir o cansaço de existir

Não há castidade pura
Que não seque ou murche em duas gerações
Como se vive, depois, sem recordações
Da perda dessa candura?
É para inventariar o pecado
Que os céus são extensos
E os seus amanuenses – anjos pretensos
Mas há dois milénios que no céu é feriado
E de todos os sofredores
Só Job foi indemnizado

Já não tenho forças nem para tossir
É preciso lenir o cansaço de existir

Como? Preguiça é crime?
Mas há lá prática mais sublime
Para espicaçar a criatividade!
Não nos criou Deus no princípio
E descansa há uma eternidade?
Dotou-nos da sua culpa danada
Encheu-nos de fome e de pancada
E, desde então,
Nunca mais fez nada

Não há nenhum deus que me venha acudir
É preciso lenir o cansaço de existir.

1 comentário:

Cristal disse...

É difícil deixar de acreditar no que há milhares de anos foi criado como realidade cultural do homem ocidental...

É fácil deixarmo-nos estar tal e qual os outros e sermos aceites numa meia-vida, mas pelo menos uma vida onde já sabemos todos os passos, e mesmo perdendo a criatividade do desconhecido de cada momento preferimos não arriscar e saber onde vamos parar.

Temos medo de ter um medo maior que nos levaria a algo de diferente.

Temos medo e por isso defendemo-nos da própria vida.

Se em vez de um medo constante produzissemos uma criatividade perene o medo quando o sentissemos seria deveras útil, um sinal de que estaríamos mesmo em perigo e de que ainda podíamos mudar de rota!